Réquiem aos agentes federais Lobo e Matzunaga »
Por: Valacir Marques Gonçalves
Li, certa vez, que as lendas Maias dizem que os deuses, antes de criarem a raça humana, fizeram criaturas de madeira. Os bonecos assim talhados pareciam perfeitos, mas eram travados; conversavam, mas não diziam nada; viviam sem paixão ou prazer ou dor; não eram afligidos pelas dúvidas, já que suas certezas eram feitas de madeira; não tinham pesadelos, pois não tinham sonhos; nunca perdiam a coragem por não saber o seu significado; não ficavam magoados, pois não tinham coração; nunca caiam, pois não andavam. Dizem também as lendas que os deuses não gostaram de sua obra e a destruíram.
Quando tomei conhecimento das explicações dadas após a tragédia acontecida no Amazonas, quando dois policiais federais foram executados por traficantes, uma dúvida tomou conta de mim. Em respeito às mães que choraram por seus filhos, e a todos que os amavam, não posso deixar de torná-la pública... Será que os deuses Maias não deixaram escapar alguns bonecos de madeira? Será que minha suspeita tornou-se realidade e os tais bonecos estão se reproduzindo e tornando-se uma raça de predadores de carne e osso? O pior é que alguns andam armados com canetas, prontas para serem usadas contra quem diz que a operação poderia ter sido melhor planejada, que o discurso usado para explicar o inexplicável não convenceu, pois todos sabem que a tragédia vinha sendo anunciada, embora eles continuem a manter a pose, cada vez mais parecida com os insensíveis bonecos Maias.
Os policiais federais não podem aceitar este estado de coisas. A filosofia ensinou para quem quis aprender que, apesar dos discursos insistirem que a situação está controlada, não podemos deixar de ser cidadãos e exigir providências. Que indiferença é abulia, parasitismo, covardia não é vida. Que não pode haver indiferentes ante esse tipo de situação, porque, depois, as inevitáveis lamúrias provocarão aquele tédio costumeiro, apresentado pelos eternos inocentes. Que uma nova atitude poderá ser o início de uma postura que deixará claro que vidas não podem ser entregues numa luta na qual é fácil perceber quem vai ser sacrificado... Que precisamos ser militantes dessa causa, que precisamos estar vivos para sentir, nas nossas consciências, a atividade da causa futura que podemos transformar, que podemos construir.
A execução dos nossos companheiros no Amazonas precisa ser analisada, precisa deixar algum tipo de lição. É impossível ficar indiferente quando alguém diz que foi surpresa, que até agora estava tudo bem. Não foi bem assim. Foi preciso a morte mostrar sua cara para provar o contrário. Embora ninguém queira perder a vida, todos sabem que o risco faz parte da atividade policial, mas todos sabem também que esse risco precisa ser calculado - este tipo de “surpresa” é inaceitável. Uma missão como a que foi imposta aos agentes Lobo e ao Matzunaga não pode ser feita de maneira tão amadora. Precisa ser repensada a política de desembarcar pessoas inexperientes para chefiar setores onde matar ou morrer é uma concreta possibilidade. A experiência prática precisa ser superior à esterilidade teórica. Infelizmente, o Agente Lobo, instrutor, policial experiente e competente, representa a negação dessa obviedade. Fica difícil segurar as lágrimas quando nos damos conta de que toda a sua experiência foi jogada no lixo, não serviu para nada.
Enquanto isso, numa entrevista inédita a blogueiros, o presidente Lula diz que defende a liberdade de imprensa, a regulamentação dos veículos de comunicação. Na mesma, prometeu ser blogueiro e twitteiro depois que deixar seu posto ao terminar seu segundo mandato. Com todos os defeitos, eu sou o resultado da liberdade de imprensa deste país. Eles pensam que o povo é massa de manobra como era no passado, eles se enganam. O povo está mais inteligente, mais sabido, disse Lula.
Mas na PF essa ideia está difícil de vingar. Sindicalista é deslocada de sua base em momento importante para sua categoria. Processo disciplinar é aberto contra o Diretor de Comunicação da Fenapef por "referir-se de modo depreciativo às autoridades e atos da administração pública, qualquer que seja o meio empregado para esse fim". Minha esperança é a de que um dia seja entendido que os policiais também são povo, que eles não deixarão de externar suas opiniões. Como disse o presidente, eles estão mais inteligentes, não ficarão calados e também não se deixarão amordaçar, lutarão pelos seus direitos.
Quem age como os bonecos das lendas Maias precisa entender isso. Apesar de tudo, ainda acredito em todas as pessoas que compõem a Polícia Federal, são gente de bem, acredito que eles podem mudar. Apesar de parecerem perfeitos, apesar de explicarem sem nada dizer, apesar de todas as suas certezas...
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blog www.valacir.com
Valacir Marques Gonçalves é policial federal
Fonte: Agência Fenapef
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